Uma expressão cultural e religiosa que envolve o canto, a dança e o teatro
Por Carmen Maria Pulga
Como vimos no texto anterior, a manifestação folclórica de Folia dos Reis chegou ao Brasil pela colonização, através de tradições religiosas e culturais dos povos europeus. A história da Congada segue um percurso semelhante, mas difere na origem – vem do continente africano, trazida pelos negros no período da escravidão.
O termo Congada ou Congado deriva do verbo congar, dançar em grupos formando cordões, especialmente no carnaval, cujo padrão coreográfico repetitivo consiste em deslocarem-se os dançantes três passos e, em seguida, sacudirem o corpo inteiro.
A Congada mescla cultos católicos com africanos, num movimento sincrético. É uma dança que representa a coroação do rei do Congo, acompanhado de um cortejo compassado, cavalgadas, levantamento de mastros e música. Passou a fazer parte de nossa cultura desde que os primeiros homens e mulheres do Congo e de Angola, chamados de bantus (banto), foram deportados para nosso País, a fim de trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar. Cerca de 5 milhões de africanos foram trazidos da África para cá, e os bantus eram a maioria deles. Boa parte de nossa religiosidade popular se estabeleceu com base na cultura bantu, e não é por acaso que uma das mais importantes festas dessa religiosidade se chama Congada.
Festa celebrada de norte a sul do Brasil
Na definição do antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, a Congada é uma criação popular, coletivizada, persistente, tradicional e reproduzida através dos sistemas comunitários de transmissão do saber.
A Congada é celebrada de norte a sul do Brasil: Congada de Catalão (Catalão-GO), Congado Reinado de Nossa Senhora e Santa Efigênia (Ouro Preto-MG), Maçambique (Osório-RS), Congada da Lapa (Lapa-PR) e festa da Congada (Uberlândia-MG). Não há um dia fixo, mas os meses de maio e outubro, consagrados a Nossa Senhora, costumam ser escolhidos para a festa. Em algumas partes do Brasil, a Congada é celebrada em dezembro.
Na cidade de Uberlândia (MG), a Congada mistura as festas trazidas pelos negros com a religiosidade cristã praticada na colônia. Ao chegar à colônia, os negros se identificaram imediatamente com os santos negros, como São Benedito, o Africano, Santa Efigênia, uma princesa etíope, e Nossa Senhora do Rosário. Todos esses santos foram identificados com os ancestrais africanos e eram homenageados com cultos e igrejas construídas com o trabalho e o dinheiro de alforriados e escravizados. Outra figura saudada na festa é a da princesa Isabel, por seu papel na libertação dos escravos. Cruza-se, assim, a tradição de uma figura da monarquia africana com a brasileira.
Uma Congada pode ter de 50 a 200 componentes e muitos personagens. Os grupos são repartidos em dois: a Congada de Cima e a Congada de Baixo. Na Congada de Cima, temos Rei, Rainha, Príncipes, Cacique, Fidalgos ou Vassalos e crianças, que são chamadas de conguinhos. Na Congada de Baixo, temos o Embaixador e o Secretário, o cortejo e os guerreiros. Cada região vai acrescentando elementos de suas tradições e vivências.
O cortejo é o momento que define o início da celebração nas ruas, sempre após a missa realizada dentro da igreja em homenagem ao santo específico; esse momento é marcado pelo encontro da corte e dos ternos nas ruas ou praça onde será realizada a homenagem ao santo padroeiro.
Uma manifestação plural
Os instrumentos musicais utilizados são a cuíca, a caixa, o pandeiro, o reco-reco, o cavaquinho, a viola, o violão, o tarol, o tamborim, o ganzá, a sanfona, rabeca (ou o violino) ou acordeom. Esses instrumentos acompanham o canto, que é entoado com letras em português, mas também com palavras do idioma bantu. As letras mencionam o sofrimento dos escravos e também a esperança, a redenção, e a invocação dos santos para que a vida desse povo pudesse mudar.
Vários adornos, como chapéus, espadas e lenços, fazem parte dos trajes, além de uma série de fitas e bandeiras coloridas que trazem a imagem dos santos e identificam os diferentes grupos do cortejo.
Nesse sentido, podemos interpretar a Congada como prática social, transmitida de forma indireta e construída a partir de apropriações que obedecem aos interesses dos grupos (irmandades), para os quais essa manifestação tem valor simbólico. Uma manifestação plural que diz muito a respeito da cultura forjada pelo negro escravizado no Brasil colonial e que, portanto, merece ser preservada e difundida, respeitando sua heterogeneidade e riqueza cultural.
As Congadas, de maneira semelhante às festas do Divino ou Folia de Reis, popularizaram-se no País e se espalharam por todo o território, constituindo, apesar de seus elementos básicos comuns, uma variedade de símbolos e processos rituais que as aproximam e distanciam simbolicamente umas das outras.
Carmen Maria Pulga é filósofa, teóloga, mestra em Novas Tecnologias da Comunicação e autora do livro A pétala, da Paulinas Editora. Gosta de arte, desde a culinária até a sucata, e ama ler os autores mais ecléticos.