A maturidade que a vida nos concede quando vivenciamos situações-limite
Por Rafael Solano
Castro Alves, no seu poema dedicado à África, assim o plasmou: “Onde estás, Senhor, que não respondes”. A maturidade com a qual a vida nos presenteia nos leva a fazer perguntas definitivas ao próprio Deus. Não existe de fato nenhuma vocação narrada na Bíblia na qual aquele que recebeu o chamado não tenha encarado docemente Deus. Moisés, Samuel, Davi, Maria.
A pandemia tem-nos conduzido a todos pelo caminho das perguntas existenciais, e isso é inevitável. Percorramos juntos um pequeno caminho que pode nos levar a vivenciar mais de perto a presença constante do Deus que sempre está conosco e, por vezes, em certas horas parece que não responde.
Situação-limite
Durante muito tempo, diversas correntes de pensamento apresentaram a “indiferença” como um estado a ser procurado, quando se trata de entender o sofrimento e a infelicidade. Schopenhauer, um dos filósofos que teve maior incidência neste campo, sempre proclamou o ser indiferente como o maior estado de “estabilidade” emocional e psíquica do ser humano. Talvez para ele, como para tantos outros, as situações-limite não devem levar a perder o controle da vida. Quando alguém minimiza ou escandalosamente se vale dela até para negar a sua existência, torna-se indiferente e até cínico.
A situação-limite é real para todos nós e aí, nessa hora, quando tudo parece que vai sucumbir ou desaparecer, é que sabemos quão sensíveis somos. Ser sensível não é o mesmo que ser susceptível. Os susceptíveis são pessoas tóxicas que vivem uma falsa compaixão. O sensível é capaz de entender que, diante de uma situação-limite, deve agir com prontidão e, sobretudo, de forma coerente e compassiva. Todos aqueles que se sensibilizam percebem de imediato que as suas vidas mudam. Uma pessoa sensível descobre que a solidariedade é muito mais do que um gesto; é uma presença.
Onipotência divina ou silêncio presente
Os padres e madres do deserto nos ensinaram que a onipotência de Deus está no silêncio. Deus “não fala bonito”, como costumamos dizer. Sua grandeza e esplendor se manifestam no silêncio. No livro Os Padres do Deserto: palavras do silêncio, podemos descobrir que: “Os Padres do Deserto ensinam-nos a introduzir o silêncio dentro da palavra e a traduzir em poucas palavras esse enigma que nos habita e escapa. De muitos deles nem o nome ficou; são simplesmente nomeados como ‘Anciãos’ ou ‘Pais’, porque nada quiseram ser nem ter, a não ser ‘filhos’ e ‘irmãos’ que partilham da mesma sede de Deus”. Estamos acostumados a pensar na onipotência de Deus da forma como fazemos diariamente na sociedade do espetáculo. Luzes e mais luzes, holofotes e mais holofotes, fãs e mais fãs… Pensamos que a sua onipotência se concretiza na mágica e solene apresentação de um Deus que de um momento para outro tira a doença, os males, a pobreza e, com um passe de vara especial que transforma, faz com que todos sejam felizes.

Como nos custa fazer silêncio e ouvir a onipotência de Deus! O teólogo Urs Von Balthasar me ajuda cada vez mais a compreender este presente nas horas difíceis, quando, na sua obra Teodramática, exprime esta realidade: “Um Deus puramente transcendente (no caso de que pudesse existir semelhante Deus) seria um mistério abstrato, puramente negativo. Mas um Deus que em sua transcendência pudesse ser também imanente, é um mistério concreto e positivo: na medida em que se nos aproxima, começamos a reconhecer o quão elevado está sobre nós, e na medida em que se nos revela em verdade, começamos a compreender o incompreensível que É”. Saber que o nosso Deus se fez um de nós, que como nós sofreu e padeceu, nos aproxima muito mais da sua onipotência do que se soubéssemos que em um segundo tiraria da nossa vista todos os males.
Presença silenciosa e amorosa
Esta premissa nos faz devedores da nossa indigência, da nossa miséria e da nossa sublime condição humana. A sua onipotência está na sua proximidade; aliás, na sua presença, mesmo que pareça que está em silêncio.
Queremos palavras e mais palavras, frases e mais frases, e pensamos que com elas já tenhamos todas as respostas, quando, na verdade, só podemos saber que Deus está conosco na sua presença silenciosa e amorosa.
Em tempos como os que estamos vivendo, o silêncio nos alimenta de tal forma que, naquele que para muitos foi um isolamento, o silêncio o preencheu de tal maneira que se ouviram vozes que nunca tinham sido ouvidas ou palavras que nunca tinham sido emitidas. Sem dúvida, Deus tem falado muito para a humanidade, para mim e para você; ouvir e descobrir o que Ele diz é nossa missão, mesmo nas horas mais duras, como estas que vivemos, que se estendem e prolongam na saída de cada variante e no aumento dos casos. Ele sempre nos falará. Vamos escutar com atenção a sua resposta.
Rafael Solano é sacerdote da Arquidiocese de Londrina. PhD em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).