
Refletindo sobre os aspectos do Livro de Josué, aprofundamos nossa espiritualidade
Por Mariana Aparecida Venâncio
Há mais de cinquenta anos, celebramos, no mês de setembro, o Mês da Bíblia. É uma oportunidade para que nos aproximemos da Palavra de Deus por meio do tema que a Igreja nos indica no Brasil. Este ano, a proposta é que nos deixemos conduzir pelo exemplo de Josué e de seu livro, que muito nos tem a ensinar. Por isso, a cada mês, nesta coluna, refletiremos sobre um aspecto do Livro de Josué, que nos ajudará a aprofundar nossa espiritualidade.
Uma liderança desafiadora
A figura de Josué, no Antigo Testamento, tem grande importância, afinal, foi ele quem liderou o povo no retorno à Terra Prometida, na entrada efetiva na Terra, após o longo caminho de quarenta anos pelo deserto, que sucedeu o Êxodo. Gerações após a partida de Jacó e seus filhos, a Terra não estava desabitada. Por isso, o retorno do povo a Canaã foi complicado, cheio de combates e disputas territoriais, todos narrados no Livro de Josué. Então, mesmo após a conclusão do caminho pelo deserto, houve um processo até que o povo pudesse se estabelecer e viver, novamente, na Terra prometida a Abraão. E Josué é o líder desse tempo. Ele faz o discernimento nos combates e é o elo entre o povo e o Senhor. Nesse aspecto, sua liderança é desafiadora. Historicamente, Josué precisou de muita coragem para a missão de suceder a Moisés, que havia acompanhado o povo desde a saída do Egito. Ele havia se tornado uma grande referência: falava com Deus face a face, recebera as Tábuas da Lei das mãos do próprio Deus, era quem tinha a Lei gravada na mente e no coração para garantir que o povo não a esquecesse. Como sentir-se preparado para tamanho desafio? Como encarar a missão de suceder a Moisés? Como manter a coesão do povo e sua unidade, com uma liderança tão nova? Josué é um grande exemplo de coragem.
Uma coragem cuja fonte é a Lei de Deus
Certamente, a origem da coragem de Josué foi sua confiança na Lei do Senhor, que ele havia aprendido com o próprio Moisés. Como fiel seguidor do Senhor e conhecedor de sua divina providência, ele aceita a missão profética de liderar o povo, mesmo diante do grande empreendimento que era reconquistar um lugar na Terra Prometida. A confiança de Josué nos ensina a também hoje, quando somos desafiados a grandes empreendimentos, confiar nos desígnios divinos que conduzem tudo conforme sua vontade. E somos animados, também, a caminhar sob a luz da Palavra do Senhor, dispondo-nos a aceitar e amar seus direcionamentos, ainda que eles não coincidam com as nossas vontades e expectativas. Foi essa firmeza e confiança que permitiram a Josué a audácia de aceitar a sucessão de Moisés. Muitas vezes nós mesmos nos consideramos indignos de grandes e pequenas coisas, sem acreditar que o Senhor direciona nossos passos e nos conduz aos lugares que devemos ocupar.
“Tão somente, sê forte e muito corajoso” (cf. Js 1,7)
O Livro de Josué começa, portanto, com o anúncio da escolha de Josué por parte do Senhor e com as instruções que o próprio Senhor dá a ele, a fim de que tenha êxito em sua jornada e em seus empreendimentos. São instruções que também podemos adotar em nossa vida: “Tão somente, sê forte e muito corajoso e cuida de agir segundo toda a lei que Moisés, meu servo, te prescreveu. Não te desvies nem para a direita nem para a esquerda, a fim de que tenhas êxito por onde quer que andes. Que o livro desta Lei esteja sempre em tua boca (…). Não tenhas medo, nem te acovardes, pois o Senhor, teu Deus, estará contigo por onde quer que vás” (cf. Js 1,7-9). Na época de Josué, o “Livro da Lei” eram as tábuas que Moisés havia recebido do próprio Deus, com os desdobramentos que o povo descobriu ao longo do caminho pelo deserto e que estão registrados nos livros de Levítico, Números e Deuteronômio. Hoje, temos a nossa disposição outros desdobramentos e interpretações da Lei registrados no Antigo Testamento pelos Profetas, por exemplo. Temos também o registro da história dos erros e dos acertos do povo na missão de cumprir a Lei, que podemos ler nos Livros Históricos. Mas temos, principalmente, a interpretação que Jesus faz da Lei, atualizando os mandamentos do Senhor e conferindo-lhes um caráter pleno e definitivo, ao traduzi-los na perspectiva do amor cristão.
Assim, a missão dada a Josué permanece a mesma para nós, diante das lideranças que somos chamados a exercer no nosso próprio contexto de vida: em algum ministério em nossa comunidade de fé, quando formamos uma família, quando gerenciamos um grupo de pessoas em nosso trabalho… A missão permanece a mesma: viver com coragem a fidelidade à Lei do Senhor. Mas talvez ainda nos seja mais fácil do que foi a Josué, afinal, temos o testemunho de infindáveis pessoas que, ao longo do tempo, antes de nós, se dedicaram ao mesmo desafio, com percalços e êxitos. Está na fidelidade a chave para que sejamos bem-sucedidos, apesar dos desvios do caminho. Você já se perguntou como o povo conseguiu ser fiel a Josué depois de ter perdido a grandiosa figura de Moisés? Com frequência, rejeitamos novos líderes depois de ter caminhado por longo tempo com um único líder. Somos resistentes à novidade, desconfiamos dos que são jovens. Naquele tempo não devia ser diferente. Como, portanto, Josué foi tão prontamente aceito? A explicação está em um detalhe fundamental: não confiaram nas capacidades humanas de Josué, mas sim em quem Josué colocou sua confiança – no Senhor!
Mariana Aparecida Venâncio é teóloga leiga, doutoranda em Estudos Literários. Dedica-se à pesquisa da Bíblia como Literatura e é assessora da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB. É encantada pela arte de criar: escrever, tecer, cuidar, amar. Instagram: @marianaavenancio