
A realidade nem sempre é condizente com as expectativas que criamos sobre o mundo e os semelhantes
Por Edson Kretle
Querida leitora e querido leitor, você é daqueles que iniciam o ano com muitas expectativas e pensando que o ano que está começando será de grandes conquistas e mudanças em sua vida? Criar expectativas faz parte do nosso ser, basta lembrar que, desde que nossa chegada é descoberta, ainda no ventre de nossa mãe, o mundo também se inicia a gestar uma série de perspectivas, antes de nosso nascimento. É óbvio que precisamos sonhar e ter objetivos na vida, desejar e incentivar sempre o melhor para aqueles que amamos, entretanto, os problemas da “sociedade da expectativa” começam quando nos tornamos vítimas de uma cobrança externa e interna que nos tem levado à exaustão. Vamos conversar um pouco sobre isso?
A primeira grande expectativa inicia-se com nossos pais. Evidente que eles querem o melhor para nós, por isso pensam, falam e torcem: “Meu(minha) filho(a) será professor(a). Meu(minha) filho(a) será médico(a), meu(minha) filho(a) será honesto(a) etc.”. Essas e outras expectativas são nos reportadas desde muito cedo. Depois, quando entramos na escola e na universidade, ouvimos as mesmas coisas dos nossos professores, que também não o fazem por mal. Seguimos, depois, para o mercado de trabalho centrados em um modelo econômico, no qual as expectativas, as pressões e as metas são bem mais severas e, em grande parte das vezes, nem sempre tão bem intencionadas como as expectativas de nossos pais e mestres.
Quando o lucro se torna um ídolo, o ser humano se torna nada
A “sociedade da expectativa” aparece muito bem disfarçada no discurso da meritocracia, que vemos e ouvimos em redes sociais, televisão, filmes e em outros discursos. A meu ver, querido(a) leitor(a), é preciso um olhar crítico para esse modelo de cobrança externa e interna a que estamos habituados, sem percebermos os riscos de culpar o indivíduo pelos seus fracassos pessoais e de inocentar outros problemas mais graves, especialmente a desigualdade social e de gênero, consolidada neste país. Certamente, o discurso do mérito apenas faz sentido quando a realidade histórica e social é considerada e políticas públicas possibilitam um ponto de partida mais justo entre as pessoas. Fora isso, só resta um discurso para camuflar a realidade e criar uma sociedade prisioneira na gaiola de suas próprias crenças e na certeza de que, quando o lucro se torna um ídolo, o ser humano se torna nada.

Muitos relacionamentos também têm se tornado reféns da demasiada expectativa desta época. Assim sendo, idealizamos muito aqueles que amamos ao esperarmos que sejam cópias de nossos desejos e não eles mesmos. Vale ressaltar que a perfeição é um atributo exclusivo da divindade, e os humanos são seres errantes. Porém, não seriam justamente essas imperfeições que nos tornam humanos? Admitir que carregamos imperfeições não é o mesmo que aceitar as fragilidades da condição humana tal como ela é? Muitos relacionamentos seriam mais saudáveis e duradouros se nossas imperfeições fossem acolhidas com amor e paciência. Sem sombra de dúvidas, esses são os melhores métodos para o crescimento e o amadurecimento das relações humanas.
Não espere dos outros mais do que eles podem lhe oferecer
É comum, nas redes sociais, uma brincadeira em que as pessoas comparam a expectativa sobre um acontecimento, as pessoas ou outras coisas, mas existe, de outro lado, a realidade, e ela nem sempre é tão empolgante e condizente com as expectativas que criamos sobre o mundo e os semelhantes. Essa pilhéria muito simples descreve muito bem uma sociedade que sofre por idealizar demais a realidade. Sobre isso, o filósofo Sêneca (4 a.C−65) orienta que precisamos ajustar nossos anseios de acordo com a realidade que nos cerca. Para ele, as raivas, as frustrações e outros sentimentos negativos emergem da ilusão de que o mundo será sempre do modo que imaginamos, ou seja, é um grande equívoco acreditar que a realidade e as pessoas sejam apenas resultados dos nossos desejos. Desse modo, não espere das pessoas e do mundo mais do que eles podem oferecer.
Portanto, as expectativas que outros depositam em nós e aquelas que criamos em nós mesmos podem se tornar um fardo maior do que possamos suportar. Talvez tenha chegado o tempo de admitir uma provocação inconveniente, querido(a) leitor(a): Somos semideuses e super-heróis para lidar com as exigências deste tempo?
Edson Kretle dos Santos é professor de Filosofia do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ama ensinar e ler, e acredita na bondade humana e em um futuro melhor para todos.